A POLÍTICA DE SUCUPIRA!!!

O Bem Amado está divolta lembrando os bons tempos da TV Brasileira, esta será a terceira vez que a Globo exibe uma adaptação do texto do dramaturgo Dias Gomes. O próprio Dias Gomes adaptou a trama numa famosa novela dos anos 70 e numa série semanal, que durou quatro temporadas na década de 80. 

Na versão de Arraes, Marco Nanini interpreta o lendário Odorico Paraguaçu, prefeito de Sucupira, cuja meta é inaugurar um cemitério.
Na época do Odorico, o Brasil vivia, o governo João Figueiredo, o último do regime militar, cujos tempos de chumbo haviam, felizmente, sido sepultados anos antes, durante a administração de seu antecessor, Ernesto Geisel. Era uma época de abertura política, anistia, pluripartidarismo, eleições para governador, prefeito e legislativos, otimismo e euforia com a expectativa da volta da democracia e da entrega do poder aos civis. Havia a possibilidade de que eleições diretas para presidente fossem convocadas em 1984 ou 1985, o que acabou não acontecendo. Ao mesmo tempo, ocorria um abrandamento gradual da censura nos meios de comunicação, o que provocou uma explosão criativa em todos os segmentos das artes e do entretenimento. Inspirado na novela de mesmo nome, exibida em 1973, o seriado O Bem Amado refletia bem essa época. Seu autor, Dias Gomes, além de um exímio escritor e dramaturgo, era um homem culto e muito politizado, além de um observador atento do cotidiano e das idiossincrasias daquele Brasil mais "profundo", o Brasil distante das ruas glamourosas dos bairros nobres do Rio de Janeiro ou de São Paulo. Dias Gomes foi, a meu ver, o melhor autor de novelas que já passou pela nossa televisão e O Bem Amado, sua obra-prima, o auge da teledramaturgia brasileira que, nunca mais, teve uma produção à altura. As únicas que se aproximaram sem, contudo, superá-la foram Roque Santeiro (também de Dias Gomes), em 1985, e Que rei sou eu?, de Cassiano Gabus Mendes, em 1989. Esta última, valendo-se de uma proposta e uma ambientação totalmente distintas (a novela se passava no fictício reino de Avilan, em 1786), também reproduziu a efervescência política daquele ano marcante, em que aconteceriam as primeiras eleições presidenciais diretas em quase trinta anos.

A trama de O Bem Amado se desenrolava em Sucupira, uma fictícia cidadezinha administrada por Odorico Paraguaçu (assim mesmo, com "ç"), antológica interpretação de Paulo Gracindo. Odorico era um coronel da região, mau caráter, corrupto e demagogo, cujo objetivo prioritário na sua gestão era inaugurar o cemitério municipal. O problema era que ninguém morria em Sucupira e o prefeito começou a fazer de tudo para concretizar a sua meta. Mandou, inclusive, chamar de volta um cangaceiro com fama de matador, Zeca Diabo (Lima Duarte, numa interpretação igualmente antológica), que deixara a cidade anos atrás, para que matasse alguém. Zeca Diabo, porém, era devoto do Padre Cícero e havia feito um juramento a ele de que nunca mais tiraria a vida de uma pessoa. Ele cumpriu sua promessa até o último capítulo da novela, em 1973, quando assassinou a tiros o próprio Odorico dentro da prefeitura. Ironicamente, foi a sepultura do prefeito que acabou inaugurando o cemitério. 

O Bem Amado era ― e ainda é ― um retrato perfeito da política brasileira. Além de ter sido a minha primeira experiência com a teledramaturgia (eu tinha, em 1981, 11 anos de idade), o seriado foi, também, o meu primeiro contato com a política. Como ele era transmitido às sextas-feiras, era-me permitido ficar acordado até um pouco mais tarde e além do mais, não havia nenhuma preocupação por parte das famílias sobre o conteúdo da programação das emissoras. Ou seja, em 1981 uma criança podia assistir a uma novela ou seriado às 22 horas (horário em que, se estou bem lembrado, passava O Bem Amado), sem o menor risco de ter a inocência da sua infância agredida por uma cena mais forte.Vale a pena dar uma olhada no  O Bem Amado...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentario, sua colaboração é muito importante para nós.