Políticos brasileiros viram especialistas em fugir de processos que terminam em prisão

Especialistas explicam as brechas utilizadas por figurões brasileiros para escapar das punições

O leitor certamente já ouviu falar em paraísos fiscais, como as Ilhas Cayman, lugares onde o dinheiro entra e sai sem rédeas, independentemente da sua origem. Mas alguém conhece um paraíso jurídico? É só olhar em volta: o Brasil se tornou um Éden para autoridades acusadas de corrupção. Aqui, mesmo quem é condenado a ir para a cadeia segue livre ao sol, como se vivesse numa ilha da impunidade.

Mas a regra não vale para todos. É preciso muito dinheiro para bancar hábeis advogados, capazes de manipular um sistema jurídico lento e repleto de recursos até a prescrição da acusação. Se não bastasse, ainda há o foro privilegiado, instrumento que escuda suspeitos de desviar milhões. Como riqueza não é exclusividade de políticos, empresários abastados também podem mergulhar no mar da desonestidade impune. A receita provoca uma distorção revoltante: só fica atrás das grades quem não pode bancar uma defesa cara.

– Quem tem dinheiro para pagar excelentes advogados pode contar com inúmeras artimanhas para protelar o caso. Só pobre vai preso – diz o antropólogo Luiz Eduardo Soares.

Uma galeria de casos de impunidade mostra um cenário desolador. São raros os personagens vistosos que cumprem pena de prisão. Um deles é o banqueiro Salvatore Cacciola, sentenciado a 13 anos por crime contra o sistema financeiro. Ao longo da semana, ZH perguntou aos leitores do seu site se conheciam algum político condenado e preso por desvio de recursos ou recebimento de propina. Nenhuma, entre as 161 mensagens recebidas até sexta-feira, conseguiu apontar um único figurão político que estivesse atrás das grades. No final de 2009, mais um caso minou a crença do brasileiro. O banqueiro Daniel Dantas, já condenado à prisão em primeira instância, teve o processo congelado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

– O Brasil virou um paraíso jurídico. É com muita vergonha que eu falo isso – diz o juiz Carlos Eduardo Ribeiro Lemos.

Especialistas apontam falhas

Especialistas asseguram que a impunidade alimenta a corrupção. Para o cientista político Bolívar Lamounier, num país de instituições ainda em constituição, o desejo de enriquecer, associado à sensação de ausência de castigo, abre o atalho para a desonestidade e cria um clima generalizado de imoralidade. No fim, fica um sentimento de que tudo está corrompido. Quando o erro está próximo, a reação da pessoa é ainda pior: justifica a falta alegando que todos fazem igual.

Nenhum dos especialistas ouvidos por ZH acredita que a corrupção esteja no DNA do brasileiro. Para eles, os problemas estão na legislação tolerante, na falta de transparência e fiscalização e em práticas viciadas, como o alto número de cargos em comissão. Há quem aponte também uma questão cultural. No Brasil, uns poucos têm mais direitos do que a maioria.

– Temos uma noção de que quem tem dinheiro não vai preso. O fato da pessoa ser pobre já a coloca numa condição inferior – explica o cientista político Fernando Filgueiras.

Confira ss brechas do sistema

AGRAVO DE INSTRUMENTO
O sistema jurídico brasileiro dispõe de incontáveis dispositivos para atrasar a tramitação dos processos. Confira algumas das principais manobras utilizadas pelos advogados:
O advogado de defesa do réu requer a exibição de uma prova específica, mas sabe que a medida não vai alterar o desfecho do processo.

MANDADO DE SEGURANÇA
É usado como manobra pelo advogado quando um juiz não aceita o agravo de instrumento.

EMBARGOS DECLARATÓRIOS
A ferramenta tem como função pedir à Justiça o esclarecimento de algum ponto da sentença que tenha ficado obscuro, com interpretação dúbia. Advogados usam o recurso mesmo quando não têm dúvida nenhuma.

EMBARGOS INFRINGENTES
Trata-se de uma brecha para rever um julgamento quando a decisão não for unânime entre os membros do tribunal. A defesa pede que a Justiça reexamine o caso.

EMBARGOS REGIMENTAIS
É um mecanismo usado para apontar erro na tramitação. A defesa questiona regra que não tenha sido observada. Em muitos casos, são apenas detalhes sem efeito prático.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Com o instrumento, o réu sugere que a competência para analisar o caso é dos tribunais superiores, porém, sabe que o pedido não tem fundamento jurídico.

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