O refúgio ecológico do fim do Brasil está ameaçado

A tartaruga começa sua aventura de atravessar a estrada. Pata a pata, ela move o pesado casco para cruzar a BR-471, bem no final do Brasil, no extremo Sul. Nem o calor do asfalto, nem a indiferença dos motoristas em direção ao Uruguai fazem a tartaruga andar mais rápido. Claro, é uma tartaruga.

Se a tartaruga não consegue andar mais rápido, quem deveria estar mais atento é o homem. Mas não. A travessia dos quase 10 quilômetros de estrada que cortam a Estação Ecológica do Taim, nos municípios de Rio Grande e Santa Vitória do Palmar (RS) virou pista de corrida. O radar fixo para controlar a velocidade máxima dos automóveis (60 km/h no trecho) é constantemente destruído por vândalos que não querem multas em função da alta velocidade que aplicam. E como a tarefa de fiscalização pertence a Rio Grande, cuja central está a cerca de 100 quilômetros de distância, nada é feito.

A longa reta convida o pé a afundar o acelerador. Há pouco movimento na estrada. Alguns carros, caminhões e ônibus. Não há qualquer bar, restaurante ou posto de combustíveis ali por perto. É território dos bichos. Ou deveria ser.

A Estação Ecológica do Taim é administrada pelo Ibama há 30 anos. Trata-se de um banhado entre a Lagoa Mirim e o Oceano Atlântico, com condições favoráveis à preservação natural de animais - alguns em via de extinção. As capivaras dominam o local, com alguns jacarés-de-papo-amarelo e os raros tuco-tucos. Um lugar de rara beleza que vale a visitação.

Só que uma estrada corta o Taim. A principal ligação Brasil-Uruguai passa por dentro da Estação. Há bichos dos dois lados da BR-471. É o habitat natural deles. Estavam por lá muito antes de algum engenheiro ter a infeliz idéia de construir a estrada exatamente no meio do Taim.

Por que não a fez um pouco para um lado ou outro, para desviar dos animais? Há muitos anos se discute iniciativas para preservar os animais. Há túneis por baixo da estrada, para que os bichos atravessem em paz. Há também algumas grades protetoras - quase todas aos pedaços - ao lado da rodovia, para impedir que se cruze pelo asfalto. Mas esqueceram de combinar essa lógica com os animais, que não entendem o perigo de atravessar por cima, nem respeitam o que sobrou da cerca.

Dirigir pela BR-471 hoje é um duplo espetáculo. Um belíssimo, o desfile de animais em seu meio-ambiente. O joão-de-barro, o cisne-de-pescoço-preto, gaviões, corujas e mais de 200 espécies de aves. O outro é dramático, a coleção de capivaras mortas, atropeladas, no acostamento. Alguns cascos de tartaruga amassados por pneus de caminhões, uma sequência de bichos mortos. Ao lado, um radar destruído.

A tragédia só não é maior porque o volume de tráfego na estrada é relativamente pequeno em direção ao Uruguai durante quase todo o ano. Mas não é possível estar de braços cruzados, assistindo ao masacre dos animais do Taim. A partir de dezembro o trânsito para o Sul aumenta, brasileiros em direção às praias uruguaias como Punta del Este. Todos os veículos passarão pela Estação Ecológica. Outras capivaras serão atropeladas. Mais tartarugas serão esmagadas.

Ou a população, com maior agilidade do Ibama, toma alguma providência, ou em breve o Taim vai perder seus habitantes. Lamentavelmente.

Por: Eduardo Tessler

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