2010 já tem cara de ano velho

O ano de 2010 apenas começou e já tem cara de ano velho. É sempre assim. Todo ano é igual. Basta uma leitura rápida nos destaques dos jornais nos primeiros dias de 2010 para concluir que nada mudou:

“Bandido mata mulher enforcada e queimada; o filho dela viu o crime”

“Garçom é asassinado com 10 tiros durante festa de criança”

“Mulher é morta na frente do filho, no Rio”

“Invasão a morro no Rio deixa quatro mortos”

“Mãe e filha morrem baleadas em Diadema

“Dupla morre ao tentar assaltar policial do Rio”

“Primeira chacina de 2010 tem quatro mortes”

São notícias de crimes ocorridos em Sorocaba e região, no Rio, na Grande São Paulo. E ainda aconteceram as tragédias causadas pelas chuvas em deslizamentos de terra no Rio e na queda de uma ponte no Rio Grande do Sul. Os títulos contabilizaram dezenas de mortos. No dia 8, treze pessoas (entre elas três crianças, quatro mulheres) morreram em acidente numa estrada de Minas Gerais. Em cada número de todo esse balanço havia um rosto, uma história de vida interrompida e tão chorada, uma família para sempre marcada pela dor, pelas lágrimas, pela saudade.

Não importa o lugar. Para muitos, a realidade engoliu os sonhos de um ano novo cheio de paz, saúde, prosperidade. Até mesmo para nós, que assistimos a tudo como espectadores, essa situação incomoda. A notícia da morte da mulher de 37 anos na frente do marido e do filho de 6 anos, na noite do dia 7, quando estava com o carro parado em um semáforo na VIla da Penha, no Rio, é simplesmente insuportável. A mulher enforcada e queimada, crime também visto pelo filho, é outra dessas peças que causam mal-estar.

Até quando? Haverá algum dia um ano novo com força suficiente para barrar tanto sofrimento?

A solução não virá por um passe de mágica. Não será obra de um salvador da pátria. E, também, nada disso acontece por obra do acaso ou pela natureza das tragédias típicas do Brasil. Todas essas notícias têm origens históricas, culturais, ideológicas. Muitas vezes, sem terem explicação aparente, acontecimentos trágicos são aceitos como fatalidade, acaso, falta de sorte. Discutível.

O escritor argentino Jorge Luís Borges dizia que não existe acaso. Acreditava que os fatos incluídos nessa categoria, na verdade, eram resultado de fenômenos metafísicos que conduzem diferentes energias por vários caminhos e a um mesmo ponto no universo.

Aceitando ou não a teoria de Borges, o fato é que o ano somente será verdadeiramente novo e cheio de alegrias no momento em que a sociedade amadurecer e se movimentar pelos ideais tão bem cantados em discursos e tão pouco concretizados. Parece utopia. A história mostra que muitos povos demoraram gerações para para se colocarem nos trilhos. Nesse quesito, quem sabe o Brasil esteja apenas engatinhando. Quem sabe.

Há quem diga, em contrapartida, que também existem as notícias boas. E isso é verdade. Passarinhos cantam, o sol brilha toda manhã, as chuvas de verão amenizam o calor. Muita gente toma sorvete, passeia na praça, vai a restaurantes, bares, danceterias. Muita gente trabalha, sorri, conta piada, torce pelo time do coração. É o ritmo alegre e emocionante da vida se impondo como resistência a tudo o que é triste e dolorido.

Recorrendo novamente à literatura, Romeu e Julieta, os românticos personagens imortalizados por Shakespeare, provavelmente teriam vivido felizes para sempre se não pertencessem a uma sociedade carregada de preconceitos, disputa de poder, guerras de famílias - qualquer semelhança com o nosso mundo não é mera coincidência. Se no universo criado por Shakespeare nem o amor sublime venceu o entulho grotesco da sociedade, o que esperar hoje do confronto entre as boas e as más notícias?

Ninguém pode dizer “não tenho nada a ver com isso”, mesmo que protegido por distância de milhares de quilômetros. No maravilhoso mundo globalizado e tecnológico, as ameaças parecem muito próximas. Quem não se assusta com a explosão de uma bomba em Bagdá?

Enquanto existirem as dores do mundo, valores como a paz, a felicidade, a harmonia entre as pessoas, têm consistência frágil. Basta constatar, nas ruas e avenidas das médias e grandes cidades, mesmo quando são tranquilas, a existência de cercas elétricas, cães bravos, grades, seguranças em guaritas blindadas, medo de dirigir à noite e ser surpreendido por assaltantes. Uma tentativa de roubo a uma lanchonete, numa tarde ensolarada de sexta-feira, pode de repente colocar a vida de inocentes em risco. E, como se não bastasse, deparamos com mais uma notícia daquelas de arrepiar: “Menina morre com tiro disparado pelo irmão.” E, ontem, fomos todos surpreendidos pelo terremoto do Haiti, que matou milhares de pessoas - entre elas, militares brasileiros e a pediatra Zilda Arns, fundadora e coordenadora nacional da Pastoral da Criança. É como receber socos no estômago.

Talvez já seja a hora de desejar feliz 2011.

Carlos Araújo - Cruzeiro do Sul

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